MAGIC PUZZLE 1

*** SELECTED WORKS ***

Wednesday, November 22, 2006

AMA O SILÊNCIO

58-11-30-em> versos publicados em «espaço mortal», pgs 36 e 37

MODO DE SER

São Luís de Odemira, 30/11/58

Ninguém o conhece mas alguns o procuram
poucos o procuraram ontem e muitos o hão-de procurar.
Não consta de nenhum exemplar teratológico
a linguagem e esqueleto existentes
sabe-se apenas que há-de vir que há-de nascer
Além dos poucos que dele falam
outros para não estarem calados
falam de uma para-existência
Sabe-se ainda que imita os homens de condição humilde
que ama os homens sem história e de incolor destino
que assimila facilmente os fácies e os dialectos regionais
tem irmãos que ama em silêncio
e ama o silêncio
Os quatro cantos das figuras quadradas interrogam-se
sobre se terá a sua forma ou a de um polígono qualquer
ou se no centro o atravessará um número obrigatório de apótemas e diagonais
sabendo como se sabe (e isso sabe-se)
que há uma explicação cartesiana
para tudo o que vibra
e uma teoria física o explicará.

Perto de mim assusta-se um pequeno pássaro
olha-me só pelo rumor que fiz de olhá-lo
O pássaro sabe como eu
que nada ambos sabemos
e no entanto sabe que o mistério
terá que desnudar-se antes de amanhã
só com o nosso tentar explicá-lo
descobri-lo abri-lo de mãos presas
Talvez este lugar venha a ser um dia
ponto de romagem internacional
onde agora é apenas uma curva boreal frustrada
e o nosso intenso desejo de olhá-la
A humanidade inteira o procura
dá-se-lhe em pensamento
e ela ou ele cresce oculto
vestido de todas as aparências
retráctil a todas as essências
Cresce a planta onde nunca pés humanos chegaram
cresce até o dia
em que a coincidência se faça
por encontro intuitivo de ser para ser.
***

Tuesday, November 21, 2006

DE PERFIL

58-11-28-em> versos publicados em «espaço mortal», pg.

RETRATO

São Luís de Odemira, 28/11/1958

Como gostei de ti foi de perfil dormindo
e era cedo para a noite que descia
cansado do trabalho cansado da vida
de lidar vi-te e sorrias.

Mas não
não eras tu a solução
que em ti escondias.
***

Monday, November 20, 2006

NEM UM POÇO

58-11-25-em> - versos publicados em «espaço mortal», pgs. 12 e 13

NÃO, NADA, NUNCA

São Luís, 25/11/1958

Nem um poço sem fundo
por nós dentro,
nem ser a diagonal de nada
e existir,
nem esta cabeça pesada,
nem esta vontade, que não cuspo
nem assoo,
de partir, nada me julga, assusta ou cansa,
nada me risca do quadro
onde estou escrito,
nem esta fome, nem este andar,
nem o eco do eco
do eco deste grito,
nenhum ramo, nenhum cheiro,
nenhuma sombra foi mais grata
ao viajante
do que a sombra da árvore
que hei-de querer
quando noutra vida for a vida
que nesta vida levei a vida inteira
a ser,
nem a morte que me arrefece
os dedos, de manhã,
nem os dedos frios
que me ajudam a estar morto
e a ser da morte a morte
ou uma forma irregular de aborto,
de nó que se não desata,
de pesadelo de que se não acorda,
de abcesso que não rebenta.
***

AGORA SOMOS

58-11-25-em> versos publicados em «espaço mortal», pg 26

AEROTÍADE

25/11/1958

Agora somos salvos feitos do sono salvador
somos feitos à imagem e semelhança dos senhores
do Senhor
agora somos soldados poetas aldrabões sub-gente
desta sociedade com gente a mais
somos feitos de guta-percha
(resistente ao minar das térmites)
sempre em pé sempre fixes sempre crus
estamos há muito tempo em forma de parafuso
que nos aperta as brácteas
e em forma de forca que enforca
em forma de moral
e nus
vamos ver numa grande tela branca
os grandes seios brancos
que mantêm abertos muitos olhos com o branco do olho
o preto o verde o cinzento o castanho
e outras cores de que é costume serem os olhos
e o pranto ser a cor falível dos olhos que olham
quando não estão fechados
e olham para dentro que é lugar seguro.
***

INDISTINTA NÉVOA

58-11-23-em> versos publicados em «espaço mortal», pg. 49

PAUSA LIRICA (1)

São Luís de Odemira/Sines, 23/11/1958

Posso perder-te
e perder o teu rosto,
posso perder-te e à claridade
de me teres acordado
na minha noite de miséria.
Posso perder-te
porque fica a indistinta névoa
que me ficou de ti,
porque fica o teu rosto
que reconheceria entre milhares,
o teu perfil que nunca vira,
que nunca voltarei a ver,
porque o teu cabelo
o reconheceria entre mil cabelos,
posso perder-te
porque posso resignar-me
a perder-te.
***

Sunday, November 19, 2006

DOIS RIOS

58-11-21-em> versos publicados em «espaço mortal», pg19

ONDE, AONDE, ALGURES, NENHURES

São Luís, 21/11/1958

Onde há novidade há boca aberta
onde há boca aberta há mosca
onde há cabeça há cabeçada
onde há cabeçada há cabeça partida
onde não há emprego há desemprego
onde há capital tem que haver trabalho
onde há trabalho é que nem sempre há capital
onde há marinheiros em calças pardas
há várias pessoas aos saltinhos em demanda do Graal
onde há abastança há miséria
onde não há miséria há abastança
onde há fuga pode haver por onde fugir
e onde há por onde fugir pode não haver polícia
onde há vigaristas há vigarizados
e onde há vigarices há o verbo em vigor
onde há moralidade a mais há moralidade a menos
onde alguns comem muitos passam fome
e onde muitos passam fome o que é demais não presta
onde há fuga há gás pode haver ou não suicídio
onde há morte provocada diz-se que há morte natural
e onde acaba diz-se que é ponto final.
+
55-11-21-vs-cd> terça-feira, 14 de Janeiro de 2003

DOIS RIOS QUE CONFLUEM PARA NENHUM É FIM

Moura, 21/Novembro/1955

Dois rios que confluem para nenhum é fim
ao mesmo braço único vão dar.
Somos nós dois rios desiguais
para o caminho único do mar.
***