MAGIC PUZZLE 1

*** SELECTED WORKS ***

Saturday, September 02, 2006

PESO NA CASA

68-09-04-vi-pp> poemas políticos

FAZEM PESO NA CASA

Lisboa, 4/9/1968

Fazem peso na casa
os mortos de Ankara

estão dentro de nós
os mortos sem casa

não podem fugir-nos
os milhões de mortos

estão dentro uns dos outros
os montes de mortos

os mortos estão mortos
e dentro de nós.
+
68-09-04-vi-pp> poemas políticos

SETE VÍTIMAS DA FOME NA NIGÉRIA

Lisboa, 4/9/1968

Sete vítimas da fome na Nigéria
e nenhuma era o alvo da miséria

Sete rosários de manhã que vão à missa
e nenhum ninguém se confessa

Sete pulgas saltarem da cama
e nenhuma é da nossa confiança

Sete aves com bico de avestruz
e nenhuma das sete eras tu

Sete barcos de pesca no Tejo
e só um dos sete trouxe peixe

Sete novos rins em bom estado
e nenhum funcionou depois de mudado.
***

Friday, September 01, 2006

JURO 1968

68-09-03-vi-cd> = cópia dos dias

JURO PELA VERDADE

Lisboa, 3/9/1968

Juro pela verdade

Se vou ao encontro do amor
não é por amor
à imortalidade
mas por egoísmo e vaidade

Não é no comboio
que partiu agora mesmo
da estação.

Juro por satanás

Se o mundo se viu sacudido
por sismos à razão
de trinta por segundo
não tive a culpa
e lavo como pilatos daí a minha mão

E sabe Deus quanto em silêncio
me ri das mortes
dos cadáveres agitantes
dos gritos abafados
das crianças entaladas nos escombros
que jamais vou esquecer

Juro que nesse dia
trazia a morte aos ombros.
+
68-09-03-vi-pp> = poemas políticos - 1968-IV> wri

FALA DE UM BURGUÊS ABASTADO (ASSUSTADO)

Lisboa, 3/9/1968

A revolta
já chegou à porta

Dá-se dez tostões a um mendigo
e ele protesta.

A revolta
vai de vento em popa

Dá-se de gorjeta dez tostões
e ainda nos insultam.

A revolta
está cada vez pior

Já se não sai de casa
sem saber se volta
a entrar.

A revolta

a revolta
já mata.
+
68-09-03-vi-fp> = fado português

A MORTE A CRÉDITO

Lisboa, 3/9/1968

Foi costume há tempo
entre os poetas políticos
navios nos olhos
da amante e amar
com forquilhas ardentes

Era o tempo de úberes vacas
inocentes logo a seguir à guerra
ao vitríolo nos olhos
ao tiro na nuca nas esquinas
e nas boas prisões dos crematórios
nazis depois esquecidas
dos pontapés nos tomates.

Era e foi costume do tempo
irradiar de magnetismo animal
os novos caminhos da música
e da arte não deixar fugir
o mais pequeno rato grande.

Juro pela verdade:
se vou ao encontro do amor
não é por amor da imortalidade
não é no comboio que partiu agora mesmo
da estação.

Juro por Satanás:
se o mundo se viu sacudido
por sismos à razão
de trinta por segundo
não tive a culpa
e Deus sabe quanto em silêncio
me ri das mortes
dos cadáveres agitantes
dos gritos humilhados rastejantes
das crianças entaladas nos escombros.

Eu nesse dia trazia a morte aos ombros.

Por isso juro:
foi coetânea
dos navios nos olhos
dos peixes em surdina
das odes de Aragon e Éluard
após Claudel após
Céline a Anatole France:
a boa sorte destes outros defuntos
da imortalidade a crédito:
vos juro e vos garanto.
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Thursday, August 31, 2006

CONFORME O VENTO

68-09-02-vi-rr> = repórter de rua

ERAM NOVE CRIANÇAS NA LADEIRA

Lisboa, 2/9/1968

Eram nove crianças na ladeira
e um carro de bois a vigiar.

Em dura eternidade
o tempo as transformava.

Eram nove crianças na ladeira
que vem pelo lado Norte do Marão.

Desci à pressa até chaves
onde comi porco fumado
mas logo espirrei fundo
porque sou alérgico ao presunto.
+
Lisboa, 2/Setembro/1968

Conforme o vento
em fogo ou em neve
se transforma
o peso da semente
que fala de um país
continental
de uma fonte seca
que fala a toda a gente
+
68-09-02-VI-FP> fado português

NA RAIA DE ESPANHA

Lisboa, 2/9/1968

Conforme o vento
em fogo ou em neve
se transforma
o peso da semente:
que fala de um país continental
de uma fonte seca
que fala a toda a gente
(fala enquanto me não calo)

Conforme o vento
o caminho de cabras nos conduz
à serra ardente onde os altares são pedras
e os planaltos aras.

Conforme o vento
em cova ou som ou casa
se muda
o que foi juventude dos deuses
a fortuna de Judas
e a miséria do rei Artur
meu velho companheiro de escola.

Conforme o vento
em esperança ou cálice ou asa
se recria
o que nasceu de um signo
tão popular
como o vinho e a amêndoa.
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