MAGIC PUZZLE 1

*** SELECTED WORKS ***

Friday, November 10, 2006

SALA GRANDE

1-2 - 1969-X>

SESSÃO SOLENE

Lisboa, 11/11/1969

Como quem encosta
o cano à nuca
e enfia na cabeça por disfarce
a perruca de Voltaire
estamos na sala dos grandes actos
onde o comboio foi chocar

Castanhas alcatifas dão ao ambiente
a quente tonalidade
suficiente

Drinks
risadas
sorrisos
e olhares
na sala grande e solene
da notícia de hoje

Quando se desce ao rés-do-chão do Inferno
o melhor é desistir
porque não é possível descer mais

O melhor é desistir de existir
e não falar demais
porque é sempre de menos

Mudos e horrivelmente mutilados
danificados nas membranas
que protegem do sol
os olhos
ou que estabelecem a ligação
interna do ouvido
com a vida

Horrivelmente danificados
foi como ficámos
na sala dos grandes actos
onde o comboio foi chocar

Os drinks
os risos os olhares
foi só pra disfarçar

Se há quem possa decência ainda ter
neste ofício ou mister de matar

Se há quem se proponha evitar
palavras duras usando metáforas

Se há quem posso suportar de pé
este cheiro a peste das axilas
na sala dos grandes actos
das grandes assembleias

Se ainda há quem
que fique.

Thursday, November 09, 2006

UM DEUS DE BOLSO

59-11-10-on> versos publicados em « o nariz», páginas 17 e 18

NESTE ARQUIPÉLAGO

Lisboa,10/11/59

Neste arquipélago de tranquilidade
espero a hora triste de embarcar
quando a bóia vermelha for
uma veia aberta para o mar.
Espero o teu lago de calma e segurança
espero a ocasião do amor
como um duende diurno procura a sua casa
na espuma destas ondas.

Dois fios cruzados dois fios
cruzados para o norte cruzados para o sul
cruzados são dois braços de navios.

Se falasse das algemas de ternura
com que te aperto os pulsos
era uma explicação.
Se falasse de amoras frescas
sujando de vermelho a tua boca
era também uma explicação.
Se falasse dos meninos brincando
com as próprias vozes
era ainda uma explicação.
Mas porque nos deixaram crescer sem uma explicação?

Quando me faltam palavras tenho as estações
quando me faltam palavras para dizer que te amo
procuro-as na toalha limpa dos pinheiros
nos subterrâneos da toupeira que cega trabalhando
nas asas mais pesadas ou leves do que o ar
no meu quarto de quatro paredes de cela e de prisão
quando não tenho palavras para dizer que te amo
fico em silêncio olhando as veias
que marcam de azul a pele e vão guiando
os dias e o instinto à morada definitiva.
+
64-11-10-vs>

UM DEUS DE BOLSO

Lisboa, 10/11/1964

No primeiro dia fez da noite a quatro patas um mundo original e do mundo um mocho a duas patas que era cego mas não era original Ao segundo dia fez o que podia ressuscitou dos mortos
Ao terceiro como não era bastante e a semana tinha sete dias
inventou a morte para os vivos

Depois dormiu
mas antes inventou o sono
e depois a doença
e porque fosse pouco
ao quarto dia
fez um filho

Da costela ou mão esquerda
a história não regista
tirou palavras
agitou o lume
cobrou impostos e lambeu-se
lamentou-se
já ia no quinto e afinal
nada que se visse

No sexto
pôs-se a meditar
(que me ditava ele?)
para salvar alguém já não ia a tempo
e para se salvar
o tempo estava mau

Desempregou-se
ficou pasmado quando viu o mundo
e não sabia para que servia
por onde se pegava
era o sétimo e último dia

Como não tinha pressa
morria aos bocados porque era imortal
enquanto os homens
bocejavam e chamavam
àquilo
um deus.
***