UM DEUS DE BOLSO
59-11-10-on> versos publicados em « o nariz», páginas 17 e 18
NESTE ARQUIPÉLAGO
Lisboa,10/11/59
Neste arquipélago de tranquilidade
espero a hora triste de embarcar
quando a bóia vermelha for
uma veia aberta para o mar.
Espero o teu lago de calma e segurança
espero a ocasião do amor
como um duende diurno procura a sua casa
na espuma destas ondas.
Dois fios cruzados dois fios
cruzados para o norte cruzados para o sul
cruzados são dois braços de navios.
Se falasse das algemas de ternura
com que te aperto os pulsos
era uma explicação.
Se falasse de amoras frescas
sujando de vermelho a tua boca
era também uma explicação.
Se falasse dos meninos brincando
com as próprias vozes
era ainda uma explicação.
Mas porque nos deixaram crescer sem uma explicação?
Quando me faltam palavras tenho as estações
quando me faltam palavras para dizer que te amo
procuro-as na toalha limpa dos pinheiros
nos subterrâneos da toupeira que cega trabalhando
nas asas mais pesadas ou leves do que o ar
no meu quarto de quatro paredes de cela e de prisão
quando não tenho palavras para dizer que te amo
fico em silêncio olhando as veias
que marcam de azul a pele e vão guiando
os dias e o instinto à morada definitiva.
+
64-11-10-vs>
UM DEUS DE BOLSO
Lisboa, 10/11/1964
No primeiro dia fez da noite a quatro patas um mundo original e do mundo um mocho a duas patas que era cego mas não era original Ao segundo dia fez o que podia ressuscitou dos mortos
Ao terceiro como não era bastante e a semana tinha sete dias
inventou a morte para os vivos
Depois dormiu
mas antes inventou o sono
e depois a doença
e porque fosse pouco
ao quarto dia
fez um filho
Da costela ou mão esquerda
a história não regista
tirou palavras
agitou o lume
cobrou impostos e lambeu-se
lamentou-se
já ia no quinto e afinal
nada que se visse
No sexto
pôs-se a meditar
(que me ditava ele?)
para salvar alguém já não ia a tempo
e para se salvar
o tempo estava mau
Desempregou-se
ficou pasmado quando viu o mundo
e não sabia para que servia
por onde se pegava
era o sétimo e último dia
Como não tinha pressa
morria aos bocados porque era imortal
enquanto os homens
bocejavam e chamavam
àquilo
um deus.
***
NESTE ARQUIPÉLAGO
Lisboa,10/11/59
Neste arquipélago de tranquilidade
espero a hora triste de embarcar
quando a bóia vermelha for
uma veia aberta para o mar.
Espero o teu lago de calma e segurança
espero a ocasião do amor
como um duende diurno procura a sua casa
na espuma destas ondas.
Dois fios cruzados dois fios
cruzados para o norte cruzados para o sul
cruzados são dois braços de navios.
Se falasse das algemas de ternura
com que te aperto os pulsos
era uma explicação.
Se falasse de amoras frescas
sujando de vermelho a tua boca
era também uma explicação.
Se falasse dos meninos brincando
com as próprias vozes
era ainda uma explicação.
Mas porque nos deixaram crescer sem uma explicação?
Quando me faltam palavras tenho as estações
quando me faltam palavras para dizer que te amo
procuro-as na toalha limpa dos pinheiros
nos subterrâneos da toupeira que cega trabalhando
nas asas mais pesadas ou leves do que o ar
no meu quarto de quatro paredes de cela e de prisão
quando não tenho palavras para dizer que te amo
fico em silêncio olhando as veias
que marcam de azul a pele e vão guiando
os dias e o instinto à morada definitiva.
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UM DEUS DE BOLSO
Lisboa, 10/11/1964
No primeiro dia fez da noite a quatro patas um mundo original e do mundo um mocho a duas patas que era cego mas não era original Ao segundo dia fez o que podia ressuscitou dos mortos
Ao terceiro como não era bastante e a semana tinha sete dias
inventou a morte para os vivos
Depois dormiu
mas antes inventou o sono
e depois a doença
e porque fosse pouco
ao quarto dia
fez um filho
Da costela ou mão esquerda
a história não regista
tirou palavras
agitou o lume
cobrou impostos e lambeu-se
lamentou-se
já ia no quinto e afinal
nada que se visse
No sexto
pôs-se a meditar
(que me ditava ele?)
para salvar alguém já não ia a tempo
e para se salvar
o tempo estava mau
Desempregou-se
ficou pasmado quando viu o mundo
e não sabia para que servia
por onde se pegava
era o sétimo e último dia
Como não tinha pressa
morria aos bocados porque era imortal
enquanto os homens
bocejavam e chamavam
àquilo
um deus.
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