ALMA DAS COISAS
59-09-25-on> versos publicados em «o nariz», páginas 7, 8, 9, 10, 11 e 12
O FUMO DAS CIDADES
Lisboa, 25/9/59
«J' écris ton nom»
Éluard
O fumo das cidades desenha o teu nome
as crianças decoram o teu nome
os pobres semeiam na terra o teu nome.
Nos teus ombros dormem os tristes e os desesperados.
Aperto as tuas mãos
as tuas mãos me guiam
ouço nos teus passos a certeza
de não mais se abrir a terra
ao fundo dos nossos passos.
Dou-te uma afeição sem dúvidas
sem laços sem pretextos
uma gratuita afeição.
Não falo de mim
não me canso de esperar.
Teu rosto anda por aqui
um fantasma de passos brandos.
Desenganado de procurar-te
não estar contigo
não estar
tu sabes que é ainda
estar presente.
Continuo a descrever o teu corpo
que é o teu espírito
o compasso das gaivotas sobre as ondas
o ritmo das crianças nos berços e baloiços
os machados falando alto na floresta
o amanhecer da terra e da distância.
A calma ondulação do teu olhar
é a mudez de um verso
é o tronco fabuloso
de um grande corpo de mar.
Vou perguntar aos teus olhos o mistério
e o que ouvir de conhecimento ou belo
azul ou confusão anonimato ou ódio
é teu é ainda teu é também teu.
São teus os dentes das plantas
os braços puros que se erguem da manhã
as veias da árvore-lua tua irmã.
Não sei porque na tua solicitude
só de espáduas feita se reconhece deus.
Talvez porque participes
da linguagem do vento
do mar que te ilumina cara a cara
do sol que carboniza frente a frente.
O teu olhar retém a alma
de todas as coisas.
Confio-te o meu nome verdadeiro
o meu endereço certo
hoje que apareceste
unindo à minha noite de vigílias
o teu dia de águias dormitando
de rastejantes plantas raras
de místicas roseiras actos e palavras.
Olhámo-nos sem máscaras e sentimo-nos
incapazes para escolher o sentido de nada
que se guarda na falta de sentido de tudo.
Só o amor é que nunca chega tarde.
Em forma de arma ele fulmina e queima
em forma de asa impulsiona e arde.
A vida hoje que apareceste
surge só porque tu surgiste.
Deixo a minha jura à noite que foi nossa
à noite com tudo o que foi nosso
e dentro de nós adormeceu.
Não é por estar à espera
que a morte virá mais cedo
não é saber a morte à nossa espera
o que me assusta.
É antes saber que acordo de manhã
junto dos teus movimentos puros
de adolescente e saber
que existias antes de mover
os teus longos braços na manhã.
Leio no céu o teu nome
por seres tu
as nuvens sossegadas
que vão escrevendo
a história do infinito.
No outro dia de manhã pelo rio
apenas o nosso ar ensonado
de príncipes perdidos no nevoeiro.
Das bocas e paredes vigilantes
das horas já sem dentes
de um rosto de animal morto de medo
larvar indescritível proibido
apenas me ficou o coração da terra
e o nosso submisso batendo
Onde os olhos dos outros nada viram
onde nada souberam do nosso segredo
lá estávamos.
Arde a pira de sono ao nosso lado
sobre a mesa de pinho
só num quarto da memória
a noite abençoando.
Onde te escrevo
falam de negócios.
Eu falo
escrevo para ti.
Contra tudo estaremos
respirando o mesmo ar
pela mesma boca
para sempre.
***
O FUMO DAS CIDADES
Lisboa, 25/9/59
«J' écris ton nom»
Éluard
O fumo das cidades desenha o teu nome
as crianças decoram o teu nome
os pobres semeiam na terra o teu nome.
Nos teus ombros dormem os tristes e os desesperados.
Aperto as tuas mãos
as tuas mãos me guiam
ouço nos teus passos a certeza
de não mais se abrir a terra
ao fundo dos nossos passos.
Dou-te uma afeição sem dúvidas
sem laços sem pretextos
uma gratuita afeição.
Não falo de mim
não me canso de esperar.
Teu rosto anda por aqui
um fantasma de passos brandos.
Desenganado de procurar-te
não estar contigo
não estar
tu sabes que é ainda
estar presente.
Continuo a descrever o teu corpo
que é o teu espírito
o compasso das gaivotas sobre as ondas
o ritmo das crianças nos berços e baloiços
os machados falando alto na floresta
o amanhecer da terra e da distância.
A calma ondulação do teu olhar
é a mudez de um verso
é o tronco fabuloso
de um grande corpo de mar.
Vou perguntar aos teus olhos o mistério
e o que ouvir de conhecimento ou belo
azul ou confusão anonimato ou ódio
é teu é ainda teu é também teu.
São teus os dentes das plantas
os braços puros que se erguem da manhã
as veias da árvore-lua tua irmã.
Não sei porque na tua solicitude
só de espáduas feita se reconhece deus.
Talvez porque participes
da linguagem do vento
do mar que te ilumina cara a cara
do sol que carboniza frente a frente.
O teu olhar retém a alma
de todas as coisas.
Confio-te o meu nome verdadeiro
o meu endereço certo
hoje que apareceste
unindo à minha noite de vigílias
o teu dia de águias dormitando
de rastejantes plantas raras
de místicas roseiras actos e palavras.
Olhámo-nos sem máscaras e sentimo-nos
incapazes para escolher o sentido de nada
que se guarda na falta de sentido de tudo.
Só o amor é que nunca chega tarde.
Em forma de arma ele fulmina e queima
em forma de asa impulsiona e arde.
A vida hoje que apareceste
surge só porque tu surgiste.
Deixo a minha jura à noite que foi nossa
à noite com tudo o que foi nosso
e dentro de nós adormeceu.
Não é por estar à espera
que a morte virá mais cedo
não é saber a morte à nossa espera
o que me assusta.
É antes saber que acordo de manhã
junto dos teus movimentos puros
de adolescente e saber
que existias antes de mover
os teus longos braços na manhã.
Leio no céu o teu nome
por seres tu
as nuvens sossegadas
que vão escrevendo
a história do infinito.
No outro dia de manhã pelo rio
apenas o nosso ar ensonado
de príncipes perdidos no nevoeiro.
Das bocas e paredes vigilantes
das horas já sem dentes
de um rosto de animal morto de medo
larvar indescritível proibido
apenas me ficou o coração da terra
e o nosso submisso batendo
Onde os olhos dos outros nada viram
onde nada souberam do nosso segredo
lá estávamos.
Arde a pira de sono ao nosso lado
sobre a mesa de pinho
só num quarto da memória
a noite abençoando.
Onde te escrevo
falam de negócios.
Eu falo
escrevo para ti.
Contra tudo estaremos
respirando o mesmo ar
pela mesma boca
para sempre.
***
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