CRÓNICA FAMILIAR
55-12-03-VA>
O SOL ANDAVA ALEGRE
Moura, 3/12/1955
O sol andava alegre
e parou de susto
Como estavas triste!
Perguntou com força:
posso fazer-te uma pergunta
ouves-me ainda
existes?
Os teus olhos não respondem
os teus olhos tristes tristes
O sol continua a sua lida
e enquanto fosse dia
era preciso brilhar
brilhar com descarada ironia
Perguntou outra vez:
- Que te fiz eu que te fiz?
Disse palavras a mais
palavras que talvez deixem
a noite antes que a noite anoiteça
- Que te fiz eu, que te fiz?
Os teus olhos não respondem
os teus olhos tristes tristes
- Bom dia irmão
Tanto faz
bom ou mau o que importava
é que houvesse alguém capaz
de dizer uma palavra
que não deixasse falar
o que quer o coração
Quero ouvir de ti de ti:
- Bom dia, irmão
E o sol com mais força ainda
- Nada, não é nada
Eu sei como é ridículo
quem na vida não desiste
Foi o sol que gritou pois foi
foi ele não ouviste?
E apenas levo nos olhos
a tua boca triste, triste, triste.
*
Os teus olhos não respondem
mas é verdade que existes
E apenas levo nos meus
os teus olhos tristes, tristes
Quem foi que nos gritou
ouviste
E apenas levo na minha
a tua boca triste triste
+
58-12-03-EM>*****
[de facto, estes versos (Crónica familiar) pertencem ao file [---]E portanto a 1958, não 66 : repetido ou não, vale 5 estrelas]]
CRÓNICA FAMILIAR
(páginas 75-76)
O rosário parou nos dedos
e já ninguém pede a deus por nós
Tudo se apaga
a luz de uns olhos
que perderam e tacteiam a linha
de uma agulha, tudo se acaba,
pela casa só o relógio continua a
cumprir uma obrigação
A tristeza
senta-se nas cadeiras empoeiradas
e deixa marca de dedos sobre as mesas.
Um dia só, longo, indesfiável,
terço que fantasmas rezam
brincando com os olhinhos de sol
que brincam às escondidas no telhado
Já não há contos de fadas
mas enlaçam-nos ainda suavemente.
As paredes de cal meditam nalguma coisa.
*
O tempo
essa gripe ou asma da alma
esse gato enroscado num sofá antigo
e debaixo do aparador
sujando com as patas as revistas já antigas
o tempo
o retrato na parede que me olha desconhecido
e tem a cor verde da morte
dos retratos de El Greco
o tempo
um arame de palavras
um jornal amarrotado onde há muitos crimes
títulos tinta rótulos triunfos
o tempo
esse desgaste lento de lugres
avançando a medo na noite
em vão avançando para um lugar
que não existe
O tempo.
+
O SOL ANDAVA ALEGRE
Moura, 3/12/1955
O sol andava alegre
e parou de susto
Como estavas triste!
Perguntou com força:
posso fazer-te uma pergunta
ouves-me ainda
existes?
Os teus olhos não respondem
os teus olhos tristes tristes
O sol continua a sua lida
e enquanto fosse dia
era preciso brilhar
brilhar com descarada ironia
Perguntou outra vez:
- Que te fiz eu que te fiz?
Disse palavras a mais
palavras que talvez deixem
a noite antes que a noite anoiteça
- Que te fiz eu, que te fiz?
Os teus olhos não respondem
os teus olhos tristes tristes
- Bom dia irmão
Tanto faz
bom ou mau o que importava
é que houvesse alguém capaz
de dizer uma palavra
que não deixasse falar
o que quer o coração
Quero ouvir de ti de ti:
- Bom dia, irmão
E o sol com mais força ainda
- Nada, não é nada
Eu sei como é ridículo
quem na vida não desiste
Foi o sol que gritou pois foi
foi ele não ouviste?
E apenas levo nos olhos
a tua boca triste, triste, triste.
*
Os teus olhos não respondem
mas é verdade que existes
E apenas levo nos meus
os teus olhos tristes, tristes
Quem foi que nos gritou
ouviste
E apenas levo na minha
a tua boca triste triste
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58-12-03-EM>*****
[de facto, estes versos (Crónica familiar) pertencem ao file [---]E portanto a 1958, não 66 : repetido ou não, vale 5 estrelas]]
CRÓNICA FAMILIAR
(páginas 75-76)
O rosário parou nos dedos
e já ninguém pede a deus por nós
Tudo se apaga
a luz de uns olhos
que perderam e tacteiam a linha
de uma agulha, tudo se acaba,
pela casa só o relógio continua a
cumprir uma obrigação
A tristeza
senta-se nas cadeiras empoeiradas
e deixa marca de dedos sobre as mesas.
Um dia só, longo, indesfiável,
terço que fantasmas rezam
brincando com os olhinhos de sol
que brincam às escondidas no telhado
Já não há contos de fadas
mas enlaçam-nos ainda suavemente.
As paredes de cal meditam nalguma coisa.
*
O tempo
essa gripe ou asma da alma
esse gato enroscado num sofá antigo
e debaixo do aparador
sujando com as patas as revistas já antigas
o tempo
o retrato na parede que me olha desconhecido
e tem a cor verde da morte
dos retratos de El Greco
o tempo
um arame de palavras
um jornal amarrotado onde há muitos crimes
títulos tinta rótulos triunfos
o tempo
esse desgaste lento de lugres
avançando a medo na noite
em vão avançando para um lugar
que não existe
O tempo.
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