MAGIC PUZZLE 1

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Wednesday, July 05, 2006

VÓS QUE SOIS OS OLHOS

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5-7-1961

I

Vós que sois os olhos
Os verdadeiros olhos do futuro
Sabeis que tenho exactamente
Um minuto de vida
E por companheiros alguns tigres
Que os meus dedos
Ou a minha voz podiam domesticar
Mas recobrar a rosa dos ventos
É a minha última vontade

*
Vós sabeis a verdade e sabeis
Que haverá pouco lugar
Num fosso com pouco mais de meio metro
Sabeis que a terra me espera
E uma noite vazia
Uma cama de ferro
Um travesseiro de palha

Que importam as vigias
No corpo e na alma
No céu e na terra
Que importam as fronteiras
Há um sinal marcado para o nosso encontro
um tiro de solidão na solidão
e uma lua para cada um
iremos fumando cigarros vulgares
e não haverá padre no último instante
apenas pontas de cigarros
atiradas à rua
*
Ver-me-ão partir
Na proa de velhos barcos adormecidos
Os olhos de algumas sereias
Semi-soterrados nas águas
Irão espreitar-me à despedida
Irei talvez pelos aquartelamentos de casas
Onde outrora eram campos
E renques de árvores
*
Dentro e fora de mim
regorgitará uma imensa saudade da morte
uma profunda saudade da vida
e quando quiser passar
os desfiladeiros de mortos ensinar-me-ão
os vales ainda desconhecidos

levarei pela mão bruxas que irão abrindo
a manhã com intensos machados de noite
e gemidos soltos de atletas sem cabeça
vão resolver nas encruzilhadas
o caminho certo
*
Apenas vós soubestes
Porque me atirei
Tão cuidadosa e descuidosamente
Da ponte mais alta
E que o diagnóstico eram vómitos
Apenas vómitos
Violentos vómitos
*
apenas vós
soldados sucessivos
ouvistes e vistes
o último segundo do último minuto
que me deram.

II

Tendes o meu corpo
Meu corpo de terra com clareiras
Para abrigar a lua

Tendes os meus braços
Mais fortes para o trabalho
Que o destino

Tendes os meus nervos
Mais lúcidos que astros
Ou máquinas

Aí me tendes
Outono ou arquipélago
Para qualquer criação

Nos meus actos tendes o meu rosto
E a alma feliz
Perto das águias
Compartilhando o Verão e a fome
E a água
Com o crepúsculo
Entregue à subtil decifração
dos ritmos naturais
à música dos dilúvios
às horas escorrendo nas vidraças

Tendes o meu corpo
Um eco nos desfiladeiros
Um astro cego
A verdade
***